A clarinetista chilena Javiera Hunfan realizará uma pesquisa sobre a obra do clarinetista carioca Manuel Malaquías. Esse projeto terá início em fevereiro de 2025, no Rio de Janeiro, juntamente com o pesquisador e flautista Leonardo Miranda. Após o resgate do conteúdo biográfico e musical, será iniciado o processo de arranjo e criação de partituras para a gravação de um álbum com 12 músicas, que será gravado com o Conjunto Regional Paulista Jacarandá no Estúdio Mapa. Manuel Malaquias foi um clarinetista do final do século XIX, em um período histórico muito importante para a música popular brasileira. Ele e outros músicos da época foram os arquitetos do nascimento do choro.
A música popular urbana brasileira começou a se desenvolver com a presença de instrumentos musicais como o piano, o violão e o bandolim, além de uma variedade de instrumentos de sopro que a coroa portuguesa e a onda de imigrantes europeus trouxeram no século XIX. Naquela época, a música erudita importada pelos portugueses incluía polcas, schottisch, mazurcas e valsas, entre outros estilos. Além disso, houve o tráfico maciço de escravos africanos, que introduziu uma rica tradição rítmica e percussiva, como o lundu, que, adaptando-se ao novo ambiente, acabou se fundindo com a cultura europeia. No final do século XIX, o Rio de Janeiro, então capital do Brasil, estava passando por um período de transformação social e cultural impulsionado pela abolição da escravatura em 1888, pela chegada de diversas influências culturais e pelo progresso industrial e tecnológico. Essa confluência de fatores deu início a uma nova era, caracterizada pelo surgimento de músicos e artistas de várias disciplinas. Assim nasceu um novo gênero musical, considerado o primeiro gênero urbano genuinamente brasileiro: o choro, um gênero instrumental, que é um dos mais importantes da história musical e cultural brasileira.
Naquele período, músicos eruditos executavam esses refinados ritmos europeus em salões de dança destinados exclusivamente às classes sociais mais altas. Entretanto, sua influência se espalhou para músicos populares e ex-escravos, que os fundiram com os ritmos e percussões africanos que lhes eram familiares. Dessa interação, surgiu uma nova geração de compositores e intérpretes que interpretaram essas melodias de forma “sentida” e “emocional”, dando origem a esse termo que, em espanhol, é traduzido como “llanto”.
Esta pesquisa se baseia na vida e na obra inédita do compositor, clarinetista e líder de banda do início do século XX, Manuel Malaquias, nascido em 1894 no Rio de Janeiro, que, apesar de esquecido ou subestimado, é responsável por ter contribuído para o desenvolvimento da identidade cultural brasileira com mais de 150 obras enquadradas no gênero do choro. Gravou, a partir de 1913, centenas de obras para a gravadora Edison, tocando obras de sua autoria e também de importantes compositores de sua época, como Albertino Pimentel, Candinho, Irineu de Almeida e Casemiro Rocha, entre outros.
Sua obra é importante, pois se situa em um período de transição entre o “europeu” e o “brasileiro”. Nas 76 gravações encontradas, realizadas entre 1904 e 1914 com o “Grupo do Malaquias”, percebe-se como suas composições são genuinamente concebidas como “polcas”, “schottish”, “valsas” e até “choros”, onde se percebe a naturalidade com que são tocados os instrumentos originalmente considerados “europeus” e as baixarias que são uma característica essencial da música popular brasileira, não só do choro, mas também do samba e de outros gêneros muito relevantes na atualidade.
Parte dos objetivos do projeto é entender o contexto histórico e cultural de Malaquías para interpretá-lo de forma mais apropriada, gravar um CD e poder compartilhar esse conhecimento e conteúdo com a comunidade ibero-americana para promover o intercâmbio cultural e gerar maior interesse pela música brasileira fora do território do Brasil.
Esse projeto de Javiera Hunfan foi selecionado pelo Ibermúsicas em sua linha de “Apoio a artistas e pesquisadores para residências”, chamada 2024.